O aumento no número de casos de sarampo nas Américas acendeu um alerta no Brasil. No entanto, os três casos confirmados até o momento não colocam em risco o certificado de país livre da doença, reconquistado pelo Brasil no ano passado.
“Para perder essa recertificação, seria necessário que, por um ano, houvesse cadeias de transmissão sustentadas com o mesmo genótipo do vírus circulando”, explica Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A unidade é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como referência regional em sarampo.
Até agora, o Ministério da Saúde confirmou apenas casos isolados: dois bebês gêmeos no Rio de Janeiro, que ainda não tinham idade para vacinação, e uma mulher adulta no Distrito Federal, com provável infecção contraída no exterior.
De acordo com o último boletim epidemiológico, até 12 de março foram notificadas 110 suspeitas da doença, das quais 22 ainda estavam em investigação. Vale lembrar que o sarampo é de notificação compulsória, ou seja, deve ser comunicado imediatamente às autoridades sanitárias. Quando confirmado, é seguido por protocolos rígidos, que incluem rastreamento de contatos, monitoramento e bloqueio vacinal nas áreas frequentadas pelo paciente.
“O sarampo é causado por um dos vírus mais infecciosos que existem. Em locais com baixa cobertura vacinal, uma única pessoa infectada pode transmitir para cerca de 17 outras. Para comparação, o SARS-CoV transmite para duas”, acrescenta Marilda Siqueira.
Casos nas Américas
O risco se agrava diante do cenário internacional. Segundo relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), divulgado em 24 de março, já foram registrados 507 casos confirmados de sarampo neste ano no continente – número superior ao total de 2024. Os Estados Unidos lideram com 301 casos e duas mortes, seguidos por Canadá (173), México (22) e Argentina (11). A Opas avalia o risco de disseminação como alto.
O histórico do Brasil reforça a vulnerabilidade. Em 2017, a chegada de imigrantes da Venezuela, país com alto número de casos, coincidiu com uma queda na cobertura vacinal brasileira. No ano seguinte, o surto se espalhou por estados fronteiriços e logo atingiu outras regiões.
“Os culpados, por assim dizer, não foram os venezuelanos. A deficiência já era nossa. Com as conexões globais e a aviação, é esperado o surgimento de casos importados todos os anos. O que não podemos permitir é a formação de cadeias de transmissão. Temos uma arma poderosa nas mãos: a vacina”, ressalta Marilda Siqueira.
Vacinação é a Chave
Desenvolvida nos anos 1960, a vacina contra o Morbilivirus – causador do sarampo – só ganhou força no Brasil na década de 1990, após o controle da poliomielite. Antes disso, a doença matava cerca de 2,5 milhões de crianças por ano no mundo.
Hoje, o imunizante é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como parte da vacina Tríplice Viral, que também protege contra caxumba e rubéola. A primeira dose é aplicada aos 12 meses e a segunda aos 15. Em 2024, o país atingiu 95% de cobertura na primeira dose, mas menos de 80% das crianças tomaram a segunda.
“A eficácia da vacina é entre 93% e 95%. Ou seja, 5% a 7% podem não responder bem. A segunda dose corrige essa falha e também reforça a proteção ao longo do tempo”, explica Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Ele lembra que o país ainda se recupera do impacto da pandemia: “A cobertura vacinal caiu muito. Se tivemos 70%, 30% ficaram desprotegidas no tempo certo. E se ainda não foram vacinadas, agora fazem parte de um grupo vulnerável”.
Por isso, adultos de até 59 anos que não se vacinaram ou não sabem se foram imunizados devem procurar uma unidade de saúde. Dados deste ano mostram que o sarampo também afeta jovens: quase metade dos infectados tem entre 10 e 29 anos.
Mesmo que os adultos tendam a desenvolver quadros menos graves, eles continuam transmitindo o vírus, colocando em risco bebês menores de 1 ano e pessoas imunossuprimidas, que não podem ser vacinadas. A meta de 95% de cobertura vacinal nas duas doses garante a imunidade coletiva, interrompendo a circulação do vírus.
“O sarampo é o melhor termômetro de que a vacinação está falhando. Como é extremamente transmissível, qualquer queda na cobertura já permite surtos, especialmente entre crianças pequenas”, afirma Luciana Phebo, chefe de Saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.
Ela destaca que a queda na cobertura durante a pandemia é um fator importante, mas chama atenção também para a hesitação vacinal, apontada como uma das maiores ameaças à saúde pública mundial.